quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Os abrigos perdidos no Vale do Alto Homem


A Serra do Gerês esconde segredos e maravilhas que tornam a sua «descoberta» um dos motivos pelos quais a percorro incessantemente.

A descoberta de um muro de pedra solta, de letras gravadas na rocha ou de abrigos toscos, memórias da milenar presença do Homem por aquelas paragens, é em si um contributo pessoal para a história daquela área e no limite para a história de Portugal.

Desengane-se que a ocupação daquele território se limita ao início da cristandade com a passagem das legiões de Roma em luta contra as ordas que ocupavam as montanhas e as planícies da Ibéria. A atestar isto estão os diversos testemunhos no planalto de Castro Laboreiro, as inscrições rupestres do Penedo do Encanto (Serra Amarela) e as figuras de Absedo (Serra do Gerês), entre muitas outras.

Mais recentemente, e com a pastorícia a ter um papel importante para as populações serranas, foram surgindo os abrigos dos pastores (fornos) junto dos currais e das pastagens de altitude. Já no século passado, a carvoaria e a exploração mineira fizeram surgir um miríade de construções que ficaram na paisagem como testemunha da presença do Homem.

Antes da exploração mineira nos Carris, o Vale do Alto Homem era percorrido por um carreiro (trilho) de montanha que permitia o acesso aos currais naquela zona, nomeadamente ao Curral da Amoreira (utilizado tanto pelos pastores portugueses como pelas gentes galegas), Curral dos Carris, Curral das Abrótegas e Curral das Lamas de Homem, entre outros. De facto, este caminho iniciava-se na Portela de Leonte até onde chegava a estrada florestal vinda das Caldas do Gerês fazendo a ligação com a Geira Romana na Albergaria. A Geira atravessava o Rio Homem na Ponte de S. Miguel (não confundir com a ponte que hoje atravessámos na estrada para a fronteira) um pouco abaixo do Curral de S. Miguel.

O caminho entrava no Vale do Alto Homem na margem esquerda do Rio Homem, atravessando para a margem direita na Água da Pala. Daqui continuava até pouco depois do Modorno, voltando de novo para a margem esquerda possivelmente já por alturas do Curral do Teixo, seguindo então para o Curral das Abrótegas.

Com o início da exploração mineira no Salto do Lobo surgiu a necessidade de se criar um acesso mais fácil àquela zona e então a Sociedade Mineira dos Castelos, Lda., solicitou a permissão para criar uma estrada a partir da Portela de Leonte, dando origem à estrada que hoje se percorre até à fronteira Galega. Esta estrada facilitou o transporte de materiais e equipamentos para os edifícios e instalações mineiras que foram construídas no alto da Serra do Gerês. Porém, os primeiros materiais eram transportados a pé desde a Portela de Leonte até à Mina do Salto do Lobo em jornadas pela Serra do Gerês que demoravam um dia inteiro. Por vezes, e devido aos parcos recursos existentes nas populações serranas, muitos dispunham-se em fazer dois extenuantes transportes por dia, havendo a necessidade de pernoita no Vale do Alto Homem.

Não havendo abrigos construídos, o homem serrano tirou partido do que a Natureza lhe concedeu naquelas paragens. Aproveitando duas grandes rochas na margem do Rio Homem, criaram-se dois abrigos que agora estão esquecidos por entre a vegetação que entretanto foi crescendo à sua volta devido à não utilização do carreiro que por ali perto passava. Num daqueles abrigos cabiam dez homens deitados e ali encontravam o abrigo das noites frias que durante todo o ano ocorrem na serra. Estes abrigos encontram-se junto da Corga do Concelho em frente à qual se situam as Curvas do Fevra, sendo perfeitamente visíveis a partir do caminho para as Minas dos Carris.


Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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