segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

"Parque Nacional da Peneda-Gerês suspende acesso às áreas mais sensíveis" - notícia Público


A notícia não é novidade e já havia sido aqui discutida anteriormente (Ecos do dia 9 de Janeiro nas Minas dos Carris: suspensão das autorizações). No entanto, o Pùblico falha redondamente na veracidade de parte da informação que é transmitida aos seus leitores e como tal, para evitar que se aproxime do sensacionalismo bacoco e fácil do Correio da Manhã, convém analisar o que esta notícia nos diz.


Começo pelo título da no notícia. Ao referir que o Parque Nacional da Peneda-Gerês suspende acesso às áreas mais sensíveis, o Pùblico infere que todas as áreas de maior sensibilidade ambiental do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) estão agora proibidas de ser visitadas. Ora, vou assumir que "as áreas de maior sensibilidade ambiental" sejam as zonas de protecção total; o PNPG possui duas Zonas de Protecção Total: uma referente de forma geral ao Vale do Alto Homem e Mata de Palheiros, e uma outra referente ao Vale do Rio Ramiscal. Como é óbvio, esta informação é falsa! O PNPG suspendeu somente os pedidos de autorização para as actividades de visitação no caminho de acesso entre a ponte sobre o Rio Homem perto da Portela do Homem e a Corga da Carvoeirinha, a poucos metros das Minas dos Carris.

No primeiro parágrafo é referido que a decisão relativa à suspensão das autorizações "foi tomada por tempo indeterminado e é justificada pelos incidentes recentes como o que obrigou ao resgate de um grupo de caminheiros que esteve isolado na zona de acesso às antigas minas dos Carris, no início destes mês." Ora, o grupo de caminheiros não esteve «isolado» na zona de acesso (?) às antigas minas de volfrâmio. Este grupo de caminheiros foi na verdade salvo por outro três elementos que se encontravam abrigados nas ruínas em questão e que caso não fosse a sua ajuda, possivelmente a situação teria um desfecho mais trágico.

O artigo de Samuel Silva continua referindo que "As “condições meteorológicas” são um dos motivos apontados pelas autoridades para esta solução, o que levará a que não sejam aprovados novos pedidos enquanto decorrem os meses de Inverno." Em autorizações anteriores, o PNPG tem o cuidado de referir que (nas Regras gerais de segurança) os visitantes devem, "consultar a meteorologia e garantir que as condições são adequadas para a prática da actividade, evitando realizá-la em dias em que se preveja a ocorrência de chuvas, trovoadas ou nevoeiros ou em que haja outros avisos de eventuais riscos." Por outro lado, o PNPG tem ainda o cuidado de sublinhar que os visitantes devem "certificar-se que dispõe de vestuário, calçado, alimento e materiais adequados. Levar sempre um pequeno estojo de primeiros socorros e equipamentos de comunicação para o caso de ser necessário pedir auxílio (apito, telemóvel, rádio)."


De facto, o que leva à suspensão das autorizações não são as condições meteorológicas per si, mas sim as ocorrências do dia 9 de Janeiro de 2016. Ora, o artigo do Público continua referindo que "no entanto, o mesmo ICNF não esconde que a suspensão de autorizações de acesso às áreas de protecção total foi determinada “à luz dos recentes incidentes” no parque nacional. No dia 9 de Janeiro, duas corporações de bombeiros foram mobilizadas para a Penda-Gerês para resgatar dois grupos, num total de seis pessoas, que tinham ficado retidos numa zona de acesso às antigas minas dos Carris, num dia de condições climáticas particularmente adversas. Esses caminhantes acabaram por ser resgatados ao final da tarde, num abrigo de montanha, depois de cerca de quatros horas de operações." O texto da notícia cai em factos que não são verdade. Não foram duas, mas sim pelo menos cinco corporações de bombeiros que participaram nas operações de resgate num total de cerca de 80 homens, o que por si só deveria levar questões relacionadas com a forma como este tipo de resgate é coordenado. Não foram resgatadas seis pessoas, mas sim somente três pessoas e estas três pessoas foram inicialmente apoiadas por três caminheiros que estavam abrigados nas ruínas das Minas dos Carris. Por outro lado, seria conveniente o Pùblico questionar o porquê de se demorar quatro horas (no caso em questão a operação prolongou-se por muito mais tempo) a resgatar três pessoas numa zona perfeitamente identificada?

No artigo é referido que "Nos últimos anos, o PNPG vinha autorizando a realização de visitas em trilhos situados em área de protecção total quando estes eram solicitados, analisando “a capacidade de carga do local” para o qual era feito o pedido. O Plano de Ordenamento daquela área protegida, publicado em 2011, permite a permanência zonas mais sensíveis do parque por um conjunto de motivos, incluindo “para fins de visitação pedestre nos trilhos existentes”, desde que devidamente autorizado." Neste ponto deveria ser colocada a questão sobre a denominada "capacidade de carga do local." Que local está o público ou o PNPG a se referir? Às Minas dos Carris? Ao Vale do Homem? Às Minas dos Carris não será certamente e em relação ao Vale do Homem é pertinente se colocar a pergunta sobre o porquê de esta questão não se colocar durante os meses de Verão quando aquele vale é percorrido por milhares e milhares de pessoas sem autorização, e sobre esse facto nem o PNPG nas as autoridades com acção pertinente na vigilância da Natureza alguma vez colocaram qualquer entrave! Isto é, quem tem mais impacto naquele vale? Um caminhante que percorre um caminho perfeitamente delimitado e cuja a presença em qualquer ponto é de meros segundos, ou um veraneante que permanece numa lagoa em plena Zona de Protecção Total durante o dia inteiro e que está permanentemente a poluir a água com os químicos dos protectores solares, com os ruídos de provoca, e com o lixo e dejectos que lá deixa ficar? 

Sobre este assunto, o artigo do Pùblico não deixa de apontar um dado curioso: "O ICNF afasta também a ideia de que não esteja a ser feita fiscalização à permanência indevida de pessoas em áreas de protecção total, justificando que grupos pouco preparados para as condições adversas da montanha de atrevam em incursões como a que motivou o resgate do início deste mês. Os dados oficiais apontam que, no último ano, foram instruídos cinco autos de notícias por contra-ordenações por permanente não autorizada em zonas de protecção total, no âmbito de actividades de turismo de natureza. Destes, três dizem respeito aos acessos às minas dos Carris." Para os milhares que utilizam aquele caminho entre Junho e Setembro, três episódios de contra-ordenações são manifestamente ridículos.

A decisão do PNPG em suspender as autorizações não faz assim qualquer sentido e baseia-se em pressupostos errados. Repetindo o que já havia escrito neste blogue, e relativamente às autorizações, o PNPG tem indicado àqueles que pedem as autorizações que "A Direcção do PNPG estava a autorizar, em determinadas circunstâncias, designadamente a grupos reduzidos, de, no máximo, 10 pessoas, as caminhadas a estes locais, mediante autorização prévia escrita devidamente processada nos termos da legislação em vigor. No entanto, dados os recentes incidentes e acidentes registados naquelas áreas, está, neste momento, esta situação a ser reavaliada, pelo que estão, de momento, suspensas as autorizações para estes locais." A pergunta que se coloca é: o que é que mudou? O percurso ficou mais longo, mais perigoso?


De facto, nada mudou e esta posição da Direcção do PNPG é incompreensível mesmo à luz dos acontecimentos do dia 9 de Janeiro e de acontecimentos anteriores. O PNPG não pode gerir riscos que não são inerentes à sua actuação em determinada actividade de montanha, pois esses riscos devem ser assumidos e geridos por quem pratica essas mesmas actividades. O PNPG deverá no mínimo acautelar a dificuldade do percurso (e por consequência dos restantes percursos), talvez colocando a sinalética necessária para informar o visitante das características do percurso e as condições nas quais ele deverá ser percorrido.

Mais do que nunca, a caminhada e as actividades de montanha são uma moda e por consequência disso assiste-se a um aumento do número de praticantes destas modalidades. Será que quando ocorreram os acidentes na Fecha de Barjas o PNPG interditou aquele lugar a banhos? É claro que não, e o mesmo não deverá acontecer neste caso.

O PNPG deverá ter a capacidade de fiscalizar quem percorre os caminhos do parque nacional e em casos especiais, como são as Zonas de Protecção Total, ter uma presença mais assídua. Não se compreende como o nosso único Parque Nacional não veja reforçado o seu corpo de Vigilantes da Natureza que são necessários para um apoio não só às actividades inerentes a uma área protegida deste tipo, mas também de apoio aos seus visitantes. Os Vigilantes da Natureza não devem servir somente para controlar os pagamentos das taxas de acesso à Mata de Albergaria (e por falar nisto, para onde foi o dinheiro arrecadado este ano? Para o sítio do costume?).

Assim, exige-se desde já uma mudança de posição por parte da Direcção do PNPG. Exige-se um aumento das verbas que devem ser destinadas ao nosso único Parque Nacional! Exige-se o aumento da fiscalização e como tal o aumento do número de efectivos de Vigilantes da Natureza em serviço no Parque Nacional da Peneda-Gerês!

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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